gregária itinerante #4

 Esse dia de Julho de 1974 estava quente. Tinha apanhado o avião para a Metrópole a 4 de Janeiro daquele ano e agora regressava a Lourenço Marques para as “férias grandes”. Quando as portas do avião se abriram senti o calor e o odor de África apesar de ser Inverno no hemisfério sul. Se não conhecemos outras geografias julgamos que o calor e o frio em todo o mundo é igual às estações do ano da terra onde nascemos. Foi o calor, o vento húmido, as trovoadas, e o cheiro africanos, que causaram nas entranhas da memória e, para sempre, o desconforto ontológico responsável pelo meu definitivo europeísmo. Esqueci-me de África durante 30 anos. Ainda hoje não me lembro dessa viagem que em 12 horas, sozinha, transportou-me a Lisboa, Portugal, enfim, à Europa.

A minha mãe trabalhava justamente ali no aeroporto. Quando as portas do avião se abriram, naquele dia quente de Julho de 1974, o meu olhar direccionou-se imediatamente para o edifício onde a teria visitado tantas vezes, não tivesse ido para tão longe (mais tarde, em 2005, voltei a vê-lo exactamente igual à memória deste dia) trazendo comigo, sem saber, a fotografia onde a via sentada, linda, à secretaria, numa sala decorada com madeira escura, moçambicana, belíssima, portanto, desenhada em sessenta, exactamente, uma década antes.

A relevância deste acontecimento ocupa, no meu cérebro, a (grande) gaveta, à volta da qual, gira em pequeníssimos movimentos, a história desse Verão. Nunca mais gostei de praia mas descobri o imenso prazer da leitura à sombra da casuarina.


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