Sobre as (novas) divisões do trabalho...

 «Temos, portanto, uma nova divisão do trabalho: trabalhadores independentes e que se exploram a si mesmos, (tal como é descrito por Han)* no Ocidente desenvolvido, trabalho de linha de montagem debilitante no Terceiro Mundo, mais o crescente domínio de prestadores de cuidados humanos (cuidadores...) onde a exploração também abunda.

Cada um destes três grupos pressupõe um modo específico de se sentir cansado e esgotado. O trabalho de linha de montagem é simplesmente debilitante na sua invariabilidade - os trabalhadores sentem-se desesperadamente cansados de montar uma e outra vez o mesmo iPhone sentados a uma mesa numa fábrica da Foxconn num subúrbio de Xangai. Em contraste com este cansaço, o que torna o trabalho em prestação de cuidados humanos tão esgotante é o próprio facto de se esperar que quem o desempenha o faça com empatia, que parece preocupar-se com os «objectos» do seu trabalho: um educador de infância é pago não só para tomar conta das crianças, mas para manifestar afecto por elas, e o mesmo vale para aqueles que tomam conta de idosos ou de doentes. Pode fazer-se uma ideia da pressão que se sente para «se ser agradável» a toda a hora. 

(...)

Imaginem que foram contratados para publicitar ou embalar um produto de modo que convença as pessoas a comprá-lo...

É preciso apelar intensamente à nossa criatividade para tentar encontrar soluções originais, e esse esforço pode ser mais extenuante do que o trabalho repetitivo de uma linha de montagem. É este p cansaço específico de que fala Han.

Mas os trabalhadores precários que estão em casa atrás do ecrã de um computador não são os únicos a extenuar-se através da autoexploração. Falta ainda mencionar outro grupo, habitualmente referido pela designação falaciosa de «trabalho de equipa criativo». Trata-se de trabalhadores de quem se espera que desempenhem funções empresariais em prol dos quadros administrativos superiores ou dos proprietários. Encarregam-se «criativamente» da organização social da produção e da sua distribuição. 

Estas divisões de classe ganharam uma nova dimensão no pânico desencadeado pelo coronavírus...»

In A Pandemia Que Abalou o Mundo, Slavoj Zizek, 2020, Relógio de Água


*Byung-Chul Han A Sociedade do Cansaço

Comentários

Mensagens populares